...não sei muito bem o que escrever
sobre o processo de “O Olhar de Neuza”, mas estou aqui me forçando a isso, e
seja lá o Deus quiser. Por isso já aviso que talvez esse seja um texto confuso,
que reflete o seu autor, eu.
Quando ouço que sou um “ator-criador”
isso me dá um comichão na alma, fico pensando se realmente sou um ator-criador...
tenho tão poucas ideias, tão poucos desejos... ops, aqui está o meu primeiro ponto
em comum (ou seria incomum?) com a Neuza. Neuza é a mulher que tem muitos
desejos, muitas ideias, mas que não sabe o que fazer com elas. Eu talvez seja o
contrário, não tenho muitos desejos e sei o que fazer com eles: NADA. O
processo de “O Olhar de Neuza” me trouxe uma acomodação, por não estar na
berlinda como ator. Isso é muito confortável, creio eu, para todo mundo. Não
ser o foco do trabalho, ficar no escuro, longe dos holofotes... ops, como um
ator pode se achar confortável longe dos holofotes? Acho que sou contradição
pura, outro ponto em comum com Neuza. Será que eu sou Neuza? Acho que sim. Não,
eu sou o Simão, a Neuza é a personagem. É, apesar de tratar sobre um tema
específico de mulher de meia idade, me identifico muito com ela.
Gostei de ficar do outro lado, na
plateia, durante esse processo, já que desde que estou na Cia. do Abração
participei de quase todos os processos de criação dos seus espetáculos como
ator. Assistente de direção? Será? Me coloquei nessa função e a princípio achei
muito intrigante, talvez simplesmente por estar fora do foco de atenção, fora
do “paredão”. Mas acho que não soube executar a função muito bem. Sempre
podemos dar muito mais do que damos. Sou preguiçoso, me desinteresso muito
fácil pelas coisas... peraí, isso aqui não era pra ser uma terapia. Não mesmo.
Era pra ser um texto científico. Mas como falar da Neuza, uma mulher rodeada de
conflitos, sem pensar nos meus próprios conflitos? Não sei. Mas vou tentar ser mais
científico...
Minha função dentro do
espetáculo, de assistente de direção, me trouxe alguns questionamentos
importantes. O primeiro deles foi: O que faz um assistente de direção? Por
algumas vezes me senti na função de “colocador de lenha na fogueira”. Gosto dessa
função. Gosto de questionar, de “cutucar a onça com vara curta”. Tentei por em
prática esse ateador de fogo, mas muitas vezes desisti. Acho que por me deparar
em conflito com a Onça, a atriz que encarna a Neuza: Fabiana Ferreira (mais uma
vez meus conflitos pessoais). Pois é. Meu conflito com a Fabiana às vezes
parecia o conflito da Neuza com seu marido. Ou melhor, meu conflito com
qualquer integrante da Cia. do Abração parece um conflito conjugal. Aquele amor
tão grande que se desgasta com o tempo e cria algumas rachaduras, sendo
necessário o tempo todo passar uma massa corrida. Não apenas para ficar bonita,
mas para não crescerem as rachaduras e desmoronar a relação. E foi assim com
todos do grupo durante o processo. Mas é assim sempre, acredito ser impossível
separar o tal do “lado pessoal” do trabalho no Teatro, afinal, é uma arte que
questiona muito o “ser humano”. Mas é difícil, e foi difícil.
Pensando bem, agora acho que o
processo de “O Olhar de Neuza” não me trouxe uma acomodação não. Fez eu me
questionar muito sobre minha vida, como a Neuza, e isso me deixou mal, com
aquela tal “angústia no peito que sobe até a garganta e forma um nó apertado”.
“Pensei até em desisti de tudo”, “jogar tudo pro alto e viver no meio do mato”.
Procurei até um terapeuta. Viver em grupo dói. Fazer Teatro de Grupo é uma
experiência que cutuca, alfineta o coração, a alma. Viver em grupo, grupo de
verdade, me faz pensar tudo isso. Daí me pergunto: porque continuo fazendo?
Será que apenas pelo motivo de ver que o espetáculo ficou lindo, tocante, um
“tiro certeiro”? Fazendo mais analogias com o espetáculo: “muita gente consegue
viver bem melhor sem querer achar um caminho, nem sequer suspeitar que seja
necessário achá-lo”. Pois é. Pensar me traz os mesmos sentimentos que a Neuza
sente. Que estranho. E o que será que faço com isso? Não sei, talvez não haja
resposta pra todos esses questionamentos. E ir apenas caminhado...
Mas, continuando... e fazendo uma
autocrítica: eu poderia ter exercido melhor a minha função de assistente de
direção. E agora me defendendo da minha autocrítica: eu acho que fui até onde
eu poderia ter ido. Às vezes o racional exige coisas que o emocional não deixa
cumprir, e essa é mais uma contradição em mim. E talvez tenha sido bom, pois o
resultado do espetáculo ficou muito bom. Não digo que ficou bom apenas por
acreditar no nosso “filho”, mas por ver muito a reação da maioria do público. O
trabalho agradou muita gente, e fez muita gente sair pensando sobre a sua
própria vida. Neuza “mexeu” com as pessoas. Mas fico desconfiado com toda essa “bondade”
do espetáculo. Quando tudo está muito bom eu desconfio. Será que isso pode trazer
uma acomodação para o grupo, e faça com que o trabalho enfraqueça? Será que
achar o espetáculo muito bom não é uma armadilha contra nós mesmo? Fico
receoso, mas espero que as respostas sejam “não”.
Sou muito reticente. E a Neuza me
deixa mais reticente ainda. Não sei se por medo de errar, ou de falar bobagens
que eu me arrependa depois. Mas assim como eu, o espetáculo também é reticente.
A conclusão da Neuza de todos seus questionamentos é continuar andando, indo
pra frente. E o que fica mais forte em mim, e nela também, são as imagens bobas
e sem muitos significados aparentes, como o saco plástico que voa com o vento...
a rosa vermelha que me conta mentiras encantadas... as folhas secas que se
despregam do tecido vermelho... uma vela que se apaga... uma escuridão... um
silenciar...
Ponto final, ponto final e ponto final: . . . reticências!!!
ResponderExcluirme identifico em muitas de suas reticências, agradeço por compartilhar seu olhar para eu ME olhar.