segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Reticente


...não sei muito bem o que escrever sobre o processo de “O Olhar de Neuza”, mas estou aqui me forçando a isso, e seja lá o Deus quiser. Por isso já aviso que talvez esse seja um texto confuso, que reflete o seu autor, eu.
Quando ouço que sou um “ator-criador” isso me dá um comichão na alma, fico pensando se realmente sou um ator-criador... tenho tão poucas ideias, tão poucos desejos... ops, aqui está o meu primeiro ponto em comum (ou seria incomum?) com a Neuza. Neuza é a mulher que tem muitos desejos, muitas ideias, mas que não sabe o que fazer com elas. Eu talvez seja o contrário, não tenho muitos desejos e sei o que fazer com eles: NADA. O processo de “O Olhar de Neuza” me trouxe uma acomodação, por não estar na berlinda como ator. Isso é muito confortável, creio eu, para todo mundo. Não ser o foco do trabalho, ficar no escuro, longe dos holofotes... ops, como um ator pode se achar confortável longe dos holofotes? Acho que sou contradição pura, outro ponto em comum com Neuza. Será que eu sou Neuza? Acho que sim. Não, eu sou o Simão, a Neuza é a personagem. É, apesar de tratar sobre um tema específico de mulher de meia idade, me identifico muito com ela.
Gostei de ficar do outro lado, na plateia, durante esse processo, já que desde que estou na Cia. do Abração participei de quase todos os processos de criação dos seus espetáculos como ator. Assistente de direção? Será? Me coloquei nessa função e a princípio achei muito intrigante, talvez simplesmente por estar fora do foco de atenção, fora do “paredão”. Mas acho que não soube executar a função muito bem. Sempre podemos dar muito mais do que damos. Sou preguiçoso, me desinteresso muito fácil pelas coisas... peraí, isso aqui não era pra ser uma terapia. Não mesmo. Era pra ser um texto científico. Mas como falar da Neuza, uma mulher rodeada de conflitos, sem pensar nos meus próprios conflitos? Não sei. Mas vou tentar ser mais científico...
Minha função dentro do espetáculo, de assistente de direção, me trouxe alguns questionamentos importantes. O primeiro deles foi: O que faz um assistente de direção? Por algumas vezes me senti na função de “colocador de lenha na fogueira”. Gosto dessa função. Gosto de questionar, de “cutucar a onça com vara curta”. Tentei por em prática esse ateador de fogo, mas muitas vezes desisti. Acho que por me deparar em conflito com a Onça, a atriz que encarna a Neuza: Fabiana Ferreira (mais uma vez meus conflitos pessoais). Pois é. Meu conflito com a Fabiana às vezes parecia o conflito da Neuza com seu marido. Ou melhor, meu conflito com qualquer integrante da Cia. do Abração parece um conflito conjugal. Aquele amor tão grande que se desgasta com o tempo e cria algumas rachaduras, sendo necessário o tempo todo passar uma massa corrida. Não apenas para ficar bonita, mas para não crescerem as rachaduras e desmoronar a relação. E foi assim com todos do grupo durante o processo. Mas é assim sempre, acredito ser impossível separar o tal do “lado pessoal” do trabalho no Teatro, afinal, é uma arte que questiona muito o “ser humano”. Mas é difícil, e foi difícil.
Pensando bem, agora acho que o processo de “O Olhar de Neuza” não me trouxe uma acomodação não. Fez eu me questionar muito sobre minha vida, como a Neuza, e isso me deixou mal, com aquela tal “angústia no peito que sobe até a garganta e forma um nó apertado”. “Pensei até em desisti de tudo”, “jogar tudo pro alto e viver no meio do mato”. Procurei até um terapeuta. Viver em grupo dói. Fazer Teatro de Grupo é uma experiência que cutuca, alfineta o coração, a alma. Viver em grupo, grupo de verdade, me faz pensar tudo isso. Daí me pergunto: porque continuo fazendo? Será que apenas pelo motivo de ver que o espetáculo ficou lindo, tocante, um “tiro certeiro”? Fazendo mais analogias com o espetáculo: “muita gente consegue viver bem melhor sem querer achar um caminho, nem sequer suspeitar que seja necessário achá-lo”. Pois é. Pensar me traz os mesmos sentimentos que a Neuza sente. Que estranho. E o que será que faço com isso? Não sei, talvez não haja resposta pra todos esses questionamentos. E ir apenas caminhado...
Mas, continuando... e fazendo uma autocrítica: eu poderia ter exercido melhor a minha função de assistente de direção. E agora me defendendo da minha autocrítica: eu acho que fui até onde eu poderia ter ido. Às vezes o racional exige coisas que o emocional não deixa cumprir, e essa é mais uma contradição em mim. E talvez tenha sido bom, pois o resultado do espetáculo ficou muito bom. Não digo que ficou bom apenas por acreditar no nosso “filho”, mas por ver muito a reação da maioria do público. O trabalho agradou muita gente, e fez muita gente sair pensando sobre a sua própria vida. Neuza “mexeu” com as pessoas. Mas fico desconfiado com toda essa “bondade” do espetáculo. Quando tudo está muito bom eu desconfio. Será que isso pode trazer uma acomodação para o grupo, e faça com que o trabalho enfraqueça? Será que achar o espetáculo muito bom não é uma armadilha contra nós mesmo? Fico receoso, mas espero que as respostas sejam “não”.

Sou muito reticente. E a Neuza me deixa mais reticente ainda. Não sei se por medo de errar, ou de falar bobagens que eu me arrependa depois. Mas assim como eu, o espetáculo também é reticente. A conclusão da Neuza de todos seus questionamentos é continuar andando, indo pra frente. E o que fica mais forte em mim, e nela também, são as imagens bobas e sem muitos significados aparentes, como o saco plástico que voa com o vento... a rosa vermelha que me conta mentiras encantadas... as folhas secas que se despregam do tecido vermelho... uma vela que se apaga... uma escuridão... um silenciar... 

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Olhar Através das Janelas de Neuza

Assim me senti nesse processo, uma menina, que observa atrás de uma janela bonita com cortinas vermelhas e babados delicados.

Eu acho que é a janela da sala... não, será do quarto?  Mas quanta intimidade, só pode ser a do banheiro. A voz de dentro diz,  “Não bobinha, é a janela da alma.”

“Menina sai dai...é feio ficar olhando”.

Mas a janela está aberta.  “Então feche agora”.  Não posso. Ela é tão mulher e eu tão menina.

Quero entrar no seu mundo. Conhecer mais sobre ela. Seu Olhar é tão meu.
Será que posso falar com ela? Com elas? Tenho tantas duvidas....

Será que você  pode me  ensinar a ser mulher? Quero saber... Como se sente com o amor? Como se nutre o coração? Como se conecta com Deus? Quero saber... Como entender a solidão? Como me entrego ao amor? Como chego no meu interior?  Como florescer? Como caminhar? Como paro de chorar?

Queria contar tantas coisas...
Sabe que tenho um pequeno bote?  Mas não sei navegar... O mar é grande e eu acho que não sei nadar, tenho medo das ondas gigantes e das  tempestades  que possam vir.  Me ensina a ser mulher? Quer ser minha amiga? Vamos navegar? 

Na minha ingenuidade achei que ela, por ser mulher, por ser madura, não teria tantas duvidas como as minhas, achava que de alguma forma quando chegasse lá, na maturidade, já saberia o caminho, já teria as respostas para as minhas inquietações, não teria duvidas. Mera ilusão.
Assim com meus 22 anos, olhar ainda de menina querendo ser mulher  iniciei minha viajem. Elas me permitiram navegar, navegar daquela janela bonita, com cortinas vermelhas e babados delicados.

Sai da poesia...

Logo de inicio, recebi uma importante função no processo de construção do espetáculo ‘’ O Olhar de Neuza’’. A  assistente do assistente de direção.  Não tão importante para o trabalho, mas muito mais importante para mim. Nesse processo estive como aprendiz, olhar, observar e simplesmente estar presente e tentar aprender um pouco com a maestria de toda a equipe. Muito mais aprendi do que contribui.  

Iniciamos o processo com algumas reuniões e discussões sobre a mulher de meia idade. Uma idade que de inicio parecia tão distante de mim.

Que mulher é essa? quem é a Neuza? Quem é Fabiana? Quem é essa mulher que cai? 
 “ uma grande solidão eu sou, sou a mulher que dividiu em sílabas a palavra solidão e com elas aprofundou seu caminho na escuridão”. A  Mulher que  Cai  de Guido Viaro.

A MULHER CAI!

Nas mãos do abração. E num misto de Fabianas, neuzas, karlas, roses, leticias e mulheres que caem, já caíram ou permanecem em uma constante queda fomos encontrando a Neuza e junto com a Neuza encontrando a Fabiana, que desabrochou em si uma linda rosa vermelha.  

Volta à poesia

Lá estava eu, observando atrás da janela bonita com cortinas vermelhas e babados delicados.

A observava , com  olhar tão triste e solitário, ela olha além das gotas de chuva  escorridas pela janela.  Seria isso a solidão? E eu sem querer sinto pena como uma dor no corpo e um aperto angustiante. Será minha a solidão?

"Nada" ela me diz em meio à escuridão.  “Eu não tenho nada”.

Nada? (Soou como um sino dentro de mim)

Mergulho no  vazio.

Quer entrar no meu vazio?

No meu?

Sai da poesia

Passamos nossa vida tentando preenchê-lo. Botox, plásticas, peitos, remédios, futilidades, parecer ser o que não somos, impressionar o outro, posses, mentiras...
O vazio fica tão cheio que não sobre nem nós mesmos.  O essencial.
Mesmo estando carregados e entulhados de coisas, não temos nada. 
De alguma maneira a Neuza veio reencontrar esse vazio dentro de mim.
Ele tem se apresentado de maneiras distintas em cada processo que me entrego.
        
No Trenzinho do Caipira  ele surge representado pelo meu vagão.  No Banho ela retorna como meu  almocharifadinho,  e no Olhar de  Neuza se apresenta como meu conjunto Vazio o nada.
         
Acho que é minha eterna busca, retornar ao conjunto vazio. Hora preenchê-lo, ora esvazia-lo, mas sempre retornar a ele.  

O OLHAR 
Alguém me disse que os olhos são o espelho da alma, o nosso olhar deve ser o reflexo da nossa alma sendo transmitido através dos nossos olhos, ou é a nossa própria alma.
       
Quero eu ter esse olhar que reflete a minha alma e transborda o meu eu, quero eu ter esse olhar que  transmite vida, quero eu ter esse olhar que adocica o mundo, quero eu ter esse olhar que vê, escuta e sente. Qual seria o meu olhar?  Um pouco cego e adormecido? Talvez.
Inspiramos o nosso espetáculo em um Olhar, no Olhar da Neusa, que olha o mundo com poesia.
Obrigada por esse Olhar.           
Volta à poesia
Ela volta para perto da janela, me conta sobre suas angustias e os primeiro calorões. Verão de 2012. A Menopausa.  

Calma Neuza, não há o que temer. É uma transformação natural, como o verão que segue a primavera e o fruto que surge a partir da flor, que desabrocha, seca, morre e renasce. 
Sai da poesia

por que esses  padrões inúteis? Que fazem da mulher um objeto modelável que deve servir para reproduzir algo e quando não podem mais produzir são jogadas fora. Por que esses padrões inúteis? Beleza, imagem, sexo,sexo. Um dia o sexo acaba! Faço parte disso? Desse padrão medíocre? Não, não quero. Neuza vem me nutrir com seu olhar.
Volta à poesia
Ela quer sair, ter um encontro com ela mesma.
"Tentei fugir de mim, mas aonde eu ia eu estava".. Ela tinha decidido parar de fugir e se encontrar de verdade. Quando eu vou fazer isso? Agora? ou no eterno amanha...

Gostaria de compartilhar uma musica, que para mim traz um pouco do processo da Neuza e da Fabiana e talvez ou pouquinho do meu.
“Hoje eu vou mudar
Vasculhar minhas gavetas
Jogar fora sentimentos
E ressentimentos tolos.
Fazer limpeza no armário
Retirar traças e teias
E angústias da minha mente
Parar de sofrer
Por coisas tão pequeninas
Deixar de ser menina
Pra ser mulher!
Hoje eu vou mudar
Por na balança a coragem
Me entregar no que acredito
Pra ser o que sou sem medo.
Dançar e cantar por hábito
E não ter cantos escuros
Pra guardar os meus segredos
Parar de dizer:
"Não tenho tempo pra vida
Que grita dentro de mim
Me libertar!"
Hoje eu vou mudar
Sair de dentro de mim
E não usar somente o coração
Parar de cobrar os fracassos
Soltar os laços
E prender as amarras da razão!
Voar livre
Com todos os meus defeitos
Pra que eu possa libertar
Os meus direitos
E não cobrar dessa vida
Nem rumos e nem decisões!
Hoje eu preciso
e vou mudar
Dividir no tempo
E somar no vento
Todas as coisas
Que um dia sonhei
conquistar,
Porque sou mulher
Como qualquer uma
Com dúvidas e soluções
Com erros e acertos
Amor e desamor.
Suave como a gaivota
E ferina como a leoa
Tranqüila e pacificadora
Mas ao mesmo tempo
Irreverente e revolucionária!
Feliz e infeliz
Realista e sonhadora
Submissa por condição
Mas independente por opinião,
Porque sou mulher
Com todas as incoerências
Que fazem de nós
Um forte sexo fraco!
Hoje eu vou mudar
Vasculhar minhas gavetas
Jogar fora sentimentos
E ressentimentos tolos.
Fazer limpeza no armário
Retirar traças e teias
E angústias da minha mente
Parar de sofrer
Por coisas tão pequeninas
Deixar de ser menina
Pra ser mulher!
Eu vou mudar!
Eu vou mudar!


Eu vou mudar pra valer” . Vanusa.

Uma Semente (querendo ser flor)

Uma semente no abração eu sou. Sinto cada trabalho como  adubo e água que me fazem crescer, brotar e desabrochar, mas sinto também que preciso fazer essa semente crescer.   Sair da posição de menina e me tornar mulher. Recebo ferramentas de cada um, que podem me modificar pra melhor, uma melhor atriz , uma melhor professora , uma melhor produtora e um ser humano melhor. Mas sei que nem sempre utilizo essas ferramentas. Bom, acho que é hora de começar a usar. Sei que depende só de mim. Sei também  que falar é fácil difícil é fazer, mas quem sabe falando serve de estimulo para eu  fazer, praticar e estar mais pronta para utilizar as ferramentas no nosso dia-dia.
O Ritual

Esquentar a água para o chá, acender um incenso, esborrifar essência pelo abração, pingar as gotas de chuva no vidro, colocar a trilha sonora, receber o público.

Acende a vela,  Soam os sinos, ela traz com sigo aquela linda rosa vermelha. O ritual inicia com a voz doce daquele anjo, será ela sua alma? Ela fica ao seu lado o tempo todo, a observando, trazendo alento para ela e para mim, como sua guia ou guardiã.  Abrem-se as cortinas e a porta de vidro com algumas lagrimas escorridas, ela se afasta, silencia, mas permite a nossa entrada em seu interior.  Me mostra suas dores, me mostra as minhas,  me mostra seus conflitos, me mostra os meus, suas ilusões e as minhas, suas fraquezas e as minhas sua solidão e a minha. Seu vazio e o meu.  Me mostra que está perdida, mas afinal, quem não está?  

Neuza, Uma Velha Amiga.
Observei por de trás daquela  janela bonita com cortinas vermelhar e babados delicados.  Assim pude conhecer a Neuza. Acho que conhecendo a Neuza, pude conhecer um pouco mais de mim, dessa menina com anseio de ser mulher. Neuza para mim, é uma amiga, mulher, que nos momentos de solidão sei que  posso  abrir sua cortina vermelha com babados delicados e simplesmente estar com ela, com elas. Perceber a sua solidão que também é minha.
Não estou só, não estamos só.
Minha busca com o olhar de Neuza.... Desabrochar em mim, aquela linda rosa vermelha que desabrochou a Neuza.
Deixo aqui, minha gratidão a Neuza. A Neuza Leticia, a Neuza Fabiana, a Neuza Karla, a Neuza Simao, a Neuza Blas, a Neuza Joao, a Neuza Julia, a Neuza Anry  e a Neuza Rose. 


“O que eu faço da minha vida?...

... Como eu continuo essa história? Até outro dia eu queria desistir de tudo. Queria até desistir de ser atriz”

A princípio acredito que não tenho muito com o que colaborar no blog que fala sobre o processo do olhar de Neuza. Esse texto fala sobre o processo de mim, que afinal faz parte do Abração, um ciclo de processos individuais e coletivos.
Não tenho absolutamente nenhuma outra atividade na minha vida além do Abração, estou aqui de manhã, de tarde, de noite.  E fui a que menos participou do processo do Olhar de Neuza. Por que será? Para fugir da Neuza, do Abração, do compromisso? Não. Para fugir de mim.

Para fugir da iminência do sofrimento do processo criativo. Para fugir das dores inerentes ao trabalho do ator. Claro, a Dire fala sempre sobre mudar a visão, o ponto de vista, que o não saber e o errar devem nos deixar felizes e entusiasmados por ter coisas novas para aprender e descobrir. Mas não é tão fácil colocar em prática. Muitas vezes penso que a Dire é realmente um ser iluminado, alienígena, que desceu pra Terra numa nuvem de camurça vermelha, sua primeira cortina, que seus glóbulos vermelhos são minúsculos atores, bailarinos, trapezistas, movendo-a exclusivamente pela arte, em cada momento essencial de sua vida. Porque não é pouco difícil. É muito difícil viver assim.
Assistir o processo “de outra pessoa” (entre aspas, porque no Abração tudo é coletivo) fez eu me sentir mal. Assisti dois ou três ensaios. Os erros, as repetições infinitas, as frustrações, que é claro, acontecem no processo, faziam com que eu quisesse abrir um buraco na arquibancada e ir embora. E as alegrias, as conquistas, os acertos? Não deu tempo de ver, saí correndo nos primeiros frames. Assisti os ensaios finais, só depois que a Dire já tinha feito picadinho da Fabiana umas milhares de vezes, e já tinham, juntos, juntado os pedaços e reconstruído mil mundos e possibilidades. E me surpreendi com a lindeza desse espetáculo. “Viu, que lindo, e como foi rápido e fácil”, pude pensar, tendo fugido da parte difícil do processo. Mas não há escapatória. Apenas adiei o processo que, então, aconteceu dentro de mim posteriormente.

“Eu sofro muito. Eu quero negar tudo e quero só ser feliz, ser feliz e só”. Sou uma pisciana, do dia 05 de março. Quem se interessa por signos e astrologia sabe o que isso significa: sofro. Sofro por tudo e por todos, choro, me esfarelo em drama, com a mesma facilidade com que me alegro. Mas não na mesma frequência. Já sofro por existência, não é necessário sequer que aconteça algo de ruim. E fui cair justamente neste mundo, de artes, de criação, de confronto com a realidade, com a sociedade, com a barbaridade da existência.  “Quanta gente consegue viver bem melhor sem procurar um caminho, nem sequer suspeitar que seja necessário acha-lo”. Mas uma vez que você toma consciência deste caminho, escondido entre os casos e acasos do destino, da vida, e do mundo, esperando por ser encontrado, não há mais volta. Ah, dilema. Ao mesmo tempo que, claro, abençoado caminho de vida, que me permite transformar este sofrimento, este sentimento, este viver, em algo que vibre com o universo, e não em mais uma receita médica de ansiolíticos, antidepressivos, antinervosismos, antichorismos, antividismos .

Mas depois de constatado esta pequena bomba que instalei em meu coração, como desativa-la? Como escapar da vontade de fugir de tudo, de desistir da vida de atriz, da vida de grupo. Digo como: não há como. Já disse, uma vez ampliada a consciência, o sofrimento é ainda maior tentando negar a existência desses caminhos. Como voltar ao status de “empregada”, trabalhar 8h por dia por objetivo nenhum? Como voltar a movimentar um sistema nocivo, corrompido, tendo consciência do poder de transformação do teatro? Olho para minhas tatuagens: porque faze-las, se a dor é quase insuportável? Tenho minha resposta: o resultado. Ser atriz faz de mim um processo ambulante, me aproxima de algo que precisamos e podemos ser. Primeiramente comparei para mim com as drogas, que causam sofrimento, mas nos viciam em seus prazeres, a tentação de olhar nos olhos da Medusa. Mas a diferença está em tornar-se cada vez mais lúcido, mais forte.
Várias vezes, quando falávamos em grupo sobre este processo, e que foi apontado o distanciamento, meu e de outro, a sugestão do que escrever era começar com “perdi a oportunidade de acompanhar um processo de criação por...”. Mas não sinto assim. Tive a oportunidade de acompanhar o processo que aconteceu dentro de mim, e que não existiria sem o processo externo do grande organismo que é o Abração, com “O Olhar de Neuza”.


E agora, pós-processo de enfrentamento de minhas próprias dúvidas, solucionei-as? Em partes sim, em partes não. Mas não nega-las foi um grande passo para LÁ dentro de mim. Ignora-las é como fechar os olhos, e fingir que se eu não vejo é porque não existe. E sei que transpassar o véu destas dúvidas, vai me permitir ir além destes limites que me impus, destas travas que o medo me coloca, e então estarei mais disponível, plenamente entregue, ao serviço sagrado de ser atriz. O servir do artista, servir a algo maior, servir a uma causa, servir a uma obra. Sem querer atropelar meus processos, mesmos os ruins, desde que não me deixe derrotar ou conformar por eles, mas que os compreenda, análise, e busque um ponto além deste, regredir jamais.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

O Olhar de "Fora"

É bem estranho escrever sobre o processo do "Olhar de Neuza", porque eu estive bem distante dele. Mas foi, no mínimo, interessante. Como eu só tinha acompanhado o processo de criação do "Dorminhoco", me surpreendi e muito, porque foi um processo BEM diferente. Pra começar que o primeiro ensaio que eu realmente ASSISTI foi acompanhando a Cris Conde, isso nós já tínhamos quase 1 mês de ensaios corridos e eu fiquei com a cara no chão porque a peça estava PRONTA. Lógico que alguns meses depois ele não estava idêntico, mas estava pronto, a dramaturgia a construção das cenas, músicas. Já era um trabalho redondo.

Assisti o ensaio de novo umas três semanas depois e foi ainda mais surpreendente, era a mesma peça, mas estava completamente diferente. Estava mais delicada, mais harmoniosa, mais forte. Foi completamente arrebatador, o sentido do espetáculo pra mim foi totalmente outro, acho que foi naquela hora que eu finalmente entendi a Neuza.

Quando os elementos foram chegando (Cenário, Figurino, Sonoplastia) parecia que já estava tudo lá antes. Lógico que ficou muito mais bonito e mais bem composto após a finalização, mas era como se o espetáculo sustentasse todos os elementos por si só. Os elementos só ganharam mais significado após serem finalizados. Mas o que eu preciso falar, é da luz, pra mim esse foi o momento crucial na finalização do espetáculo. Parecia que eu tinha me drogado, aquela luz vinha ao encontro de todos os sentidos que eu tinha antes, só deixavam eles mais fortes, e o mais incrível era o fato de termos duas arquibancadas em lados opostos, dava vontade de assistir o espetáculo de todos os ângulos possíveis. Cada lugar onde eu me sentava me dava uma imagem diferente, as vezes era apenas uma cadeira a mais para esquerda ou para a direita, e mesmo assim a fotografia era outra. Eu saía de todas as apresentações e falava pro Anry: "Compadre, arrasou hein".

E no meio disso tudo eu vou percebendo de pouco a pouco de que Neuza não é uma mulher de 49 anos que está na menopausa. Neuza é uma mulher de 20 anos. Neuza é um homem de 30 anos. Neuza pode ser uma criança. Neuza sou eu. Os questionamentos, a razão da existência, as aflições, são todas do ser humano. O melhor de tudo era conversar com pessoas de diferentes idades, sexos, classe sociais. Todos se enxergavam na Neuza. "O que eu fiz da minha vida?", "Valeu a pena?", "O que eu vou fazer de agora em diante?". E daí nós percebemos que somos todos putas do passeio público que vendem aquilo que lhes dá sentido por 20 reais. É aí que tentamos procurar a rosa vermelha e revalidar nossos caminhos.

E no fim disso tudo, eu contínuo refletindo sobre o que é ser "Pobre com dinheiro pra gastar"