segunda-feira, 14 de outubro de 2013

“O que eu faço da minha vida?...

... Como eu continuo essa história? Até outro dia eu queria desistir de tudo. Queria até desistir de ser atriz”

A princípio acredito que não tenho muito com o que colaborar no blog que fala sobre o processo do olhar de Neuza. Esse texto fala sobre o processo de mim, que afinal faz parte do Abração, um ciclo de processos individuais e coletivos.
Não tenho absolutamente nenhuma outra atividade na minha vida além do Abração, estou aqui de manhã, de tarde, de noite.  E fui a que menos participou do processo do Olhar de Neuza. Por que será? Para fugir da Neuza, do Abração, do compromisso? Não. Para fugir de mim.

Para fugir da iminência do sofrimento do processo criativo. Para fugir das dores inerentes ao trabalho do ator. Claro, a Dire fala sempre sobre mudar a visão, o ponto de vista, que o não saber e o errar devem nos deixar felizes e entusiasmados por ter coisas novas para aprender e descobrir. Mas não é tão fácil colocar em prática. Muitas vezes penso que a Dire é realmente um ser iluminado, alienígena, que desceu pra Terra numa nuvem de camurça vermelha, sua primeira cortina, que seus glóbulos vermelhos são minúsculos atores, bailarinos, trapezistas, movendo-a exclusivamente pela arte, em cada momento essencial de sua vida. Porque não é pouco difícil. É muito difícil viver assim.
Assistir o processo “de outra pessoa” (entre aspas, porque no Abração tudo é coletivo) fez eu me sentir mal. Assisti dois ou três ensaios. Os erros, as repetições infinitas, as frustrações, que é claro, acontecem no processo, faziam com que eu quisesse abrir um buraco na arquibancada e ir embora. E as alegrias, as conquistas, os acertos? Não deu tempo de ver, saí correndo nos primeiros frames. Assisti os ensaios finais, só depois que a Dire já tinha feito picadinho da Fabiana umas milhares de vezes, e já tinham, juntos, juntado os pedaços e reconstruído mil mundos e possibilidades. E me surpreendi com a lindeza desse espetáculo. “Viu, que lindo, e como foi rápido e fácil”, pude pensar, tendo fugido da parte difícil do processo. Mas não há escapatória. Apenas adiei o processo que, então, aconteceu dentro de mim posteriormente.

“Eu sofro muito. Eu quero negar tudo e quero só ser feliz, ser feliz e só”. Sou uma pisciana, do dia 05 de março. Quem se interessa por signos e astrologia sabe o que isso significa: sofro. Sofro por tudo e por todos, choro, me esfarelo em drama, com a mesma facilidade com que me alegro. Mas não na mesma frequência. Já sofro por existência, não é necessário sequer que aconteça algo de ruim. E fui cair justamente neste mundo, de artes, de criação, de confronto com a realidade, com a sociedade, com a barbaridade da existência.  “Quanta gente consegue viver bem melhor sem procurar um caminho, nem sequer suspeitar que seja necessário acha-lo”. Mas uma vez que você toma consciência deste caminho, escondido entre os casos e acasos do destino, da vida, e do mundo, esperando por ser encontrado, não há mais volta. Ah, dilema. Ao mesmo tempo que, claro, abençoado caminho de vida, que me permite transformar este sofrimento, este sentimento, este viver, em algo que vibre com o universo, e não em mais uma receita médica de ansiolíticos, antidepressivos, antinervosismos, antichorismos, antividismos .

Mas depois de constatado esta pequena bomba que instalei em meu coração, como desativa-la? Como escapar da vontade de fugir de tudo, de desistir da vida de atriz, da vida de grupo. Digo como: não há como. Já disse, uma vez ampliada a consciência, o sofrimento é ainda maior tentando negar a existência desses caminhos. Como voltar ao status de “empregada”, trabalhar 8h por dia por objetivo nenhum? Como voltar a movimentar um sistema nocivo, corrompido, tendo consciência do poder de transformação do teatro? Olho para minhas tatuagens: porque faze-las, se a dor é quase insuportável? Tenho minha resposta: o resultado. Ser atriz faz de mim um processo ambulante, me aproxima de algo que precisamos e podemos ser. Primeiramente comparei para mim com as drogas, que causam sofrimento, mas nos viciam em seus prazeres, a tentação de olhar nos olhos da Medusa. Mas a diferença está em tornar-se cada vez mais lúcido, mais forte.
Várias vezes, quando falávamos em grupo sobre este processo, e que foi apontado o distanciamento, meu e de outro, a sugestão do que escrever era começar com “perdi a oportunidade de acompanhar um processo de criação por...”. Mas não sinto assim. Tive a oportunidade de acompanhar o processo que aconteceu dentro de mim, e que não existiria sem o processo externo do grande organismo que é o Abração, com “O Olhar de Neuza”.


E agora, pós-processo de enfrentamento de minhas próprias dúvidas, solucionei-as? Em partes sim, em partes não. Mas não nega-las foi um grande passo para LÁ dentro de mim. Ignora-las é como fechar os olhos, e fingir que se eu não vejo é porque não existe. E sei que transpassar o véu destas dúvidas, vai me permitir ir além destes limites que me impus, destas travas que o medo me coloca, e então estarei mais disponível, plenamente entregue, ao serviço sagrado de ser atriz. O servir do artista, servir a algo maior, servir a uma causa, servir a uma obra. Sem querer atropelar meus processos, mesmos os ruins, desde que não me deixe derrotar ou conformar por eles, mas que os compreenda, análise, e busque um ponto além deste, regredir jamais.

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